terça-feira, 6 de dezembro de 2011

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento; tradução Eloá Jacobina, 8. ed. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2003, 128 p. [Resenha].

Luiz André Rodrigues de LIMA

Doutorando em Biociência – UFRPE

Disciplina: Metodologia do Ensino Superior





            Edgar Morin é antropólogo, sociólogo e filósofo. Francês judeu de origem sefardita, graduou-se ainda em Direito, Economia Política, História e Geografia. Autor de mais de trinta livros, entre eles: O método (6 volumes), Introdução ao pensamento complexo, Ciência com consciência e Os sete saberes necessários para a educação do futuro. Em 1999, lançou o livro "A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento", obra composta de prefácio, nove capítulos e dois anexos, a qual discutiremos a seguir.

            Um dos maiores intelectuais da atualidade, Edgar Morin é um crítico de fragmentação do conhecimento. Convencido da necessidade de uma reforma do pensamento, e, portanto de uma reforma do ensino, o crítico, Edgar Morin aproveitava diversas oportunidades para refletir sobre o desenvolvimento do pensamento complexo e a fragmentação do conhecimento. Por sugestão de Jack Lang, então ministro da Educação na França, o autor imaginara fazer inicialmente um “manual para alunos, professores e cidadãos”, projeto que não abandonou (p. 9). Foi, entretanto, em meados 1997, quando foi chamado por Le Monde de l’éducation para ser o “correspondente chefe convidado” que organizou algumas jornadas temáticas sobre a reforma dos saberes nos ginásio (p.10). Tencionou o autor começar pelos problemas que julgava mais importantes e urgentes, começando pelas finalidades de mostrar como o ensino primário, secundário e superior podiam servir a estas finalidades. Tencionou ainda em demonstrar como a solução dos problemas e sua submissão deveriam levar, necessariamente, a reforma do pensamento e das instituições. Edgar Morin propõe que o desenvolvimento do pensamento complexo, deve passar por uma reforma do pensamento por meio do ensino transdisciplinar, capaz de formar cidadãos planetários, solidários e éticos, aptos a enfrentar os desafios dos tempos atuais. Para o autor, a complexidade é um desafio que sempre se propôs a vencer (p.10). O autor dedica o livro à educação e ao ensino. A educação como “utilização de meios que permitem assegurar a formação e o desenvolvimento de um ser humano”, e “o ensino como arte ou ação de transmitir conhecimento ao aluno de modo que os compreenda e assimile” (p.10 e 11). É neste sentido que o referido intelectual afirma que a missão do ensino não é transmitir o mero saber, mas uma cultura que permita compreender nossa condição e nos ajude a viver, e que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e livre (p.11).  É por fim, esta visão sistêmica proposta por Morin que se propõe uma nova reorganização do pensamento.

            No capítulo I, intitulado “os desafios”, Edgar Morin afirma que há uma inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas, e por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetário (p.13). Assim, o autor considera que o nosso conhecimento é fragmentado em áreas específicas, e, portanto não temos visão do todo. A este processo, denomina-se hiperespecialização, que impede de ver o global – que ela fragmenta em parcelas – bem como o essencial que – que ela dilui. Sabendo-se ainda que os problemas essenciais nunca são parceláveis, e que os problemas globais são cada vez mais essenciais (p.14), é que se faz necessário contextualizar o conhecimento obtido. O ensino por disciplinas separadas dificulta ao aluno a capacidade natural que o espírito tem de aprender “ o que é tecido junto”, isto é o complexo, e assim o impede de contextualizá-lo. Desta forma, o que o autor considera em seu capítulo I, é que o desafio da globalidade é também um desafio da complexidade. Logo segundo ele, a inteligência que só sabe separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas, unidimensionaliza o multidimencional. Atrofia as possibilidades de compreensão e de reflexão, eliminando as oportunidade de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo (p.15).

            Foi neste contexto de separação dos saberes, de separação em disciplinas, de “isolacionismo”, de superespecialização que o sistema de ensino escolar se fundamentou. Fomos desde crianças estimulados a separar o conhecimento em disciplinas (em vez de correlacioná-las); a dissociar os problemas, em vez de reunir e integrá-los. Fomos obrigados a reduzir o complexo ao simples (p.15).

            Por fim, o verdadeiro problema não é apenas separar o conhecimento em fragmentos, não é apenas adicionar informações, o verdadeiro problema a organização do conhecimento, dos saberes. Posto isso, o conhecimento pertinente para Morin é aquele que é capaz de situar qualquer informação em seu contexto, e se possível no contexto que está inscrito. O conhecimento só é conhecimento enquanto organizado (p.16).

            Ao fazer isso, Morin cita como desafios para a organização desses saberes: o desafio cultural, desafio sociológico e o desafio científico. O primeiro diz respeito entre a cultura das humanidades (cultura genérica, de inteligência geral, que estimula a reflexão sobre o saber e favorece a integração pessoal do conhecimento) e a cultura científica, enraizada pela razão, e desprovida de mais globais. O segundo desafio proposto pelo autor se refere ao desafio sociológico, em que pese, o crescimento cognitivo deva estar constituído em tríade harmonia com a informação, o conhecimento e pensamento. Como último desafio, tem-se o desafio cívico, em que o enfraquecimento de uma percepção global leva ao enfraquecimento do senso de responsabilidade – cada um tende a ser responsável por sua tarefa especializada -, bem como enfraquecimento da solidariedade – ninguém mais preserva seu elo orgânico com a cidade e seus concidadãos (p.20). A percepção do global conduz ao aumento da responsabilidade individual.

            Por fim, Morin afirma que o desafio dos desafios, e problema crucial na contemporaneidade é o da necessidade de se destacar todos esses desafios citado como interdependentes. Para o autor, a reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento, e a reforma do pensamento deve levar à reforma do ensino. A finalidade de nossa escola é ensinar a repensar o pensamento, a des-saber o sabido, a duvidar da sua própria vida

            No capítulo 2, intitulado: a cabeça bem-feita, o filósofo Edgar Morin introduz a citação de Pascal “Não se ensinam os homens a serem homens honestos, mas ensina-se tudo o mais”. O autor traz ainda o pensamento do Clássico Montaigne (que primeiramente trouxe para o campo de ensino a ideia que mais vale uma “cabeça bem-feita” que bem cheia. Neste aspecto, ele explica o significado de uma “cabeça bem-feita” está associado não a uma cabeça onde o saber é simplesmente acumulado, e sim de uma aptidão geral, de inteligência, apta para colocar e tratar os problemas de maneira organizados e que permita estabelecer ligação entre os saberes e dando-lhes sentido (p.21). Assim, tendo como ensejo o desenvolvimento dessas competências cognitivas em lidar com os problemas é que a Educação deve visar, desde cedo, ao estímulo, a crítica e a curiosidade em resolver os problemas fundamentais de nossa condição humana. Como assinala Juan de Mairena é essa atividade crítica que permite “repensar o pensamento”. O pensamento deve ser organizado em uma cabeça apta, com vista a não acumular pensamentos estéreis.

            Numa análise proposta por Morin,



Todo conhecimento constitui, ao mesmo tempo, uma tradução e uma reconstrução, a partir de sinais, signos, símbolos, sob a forma de representações, idéias, teorias, discursos. A organização dos conhecimentos é realizada em função de princípios e regras; comporta operações de ligação (conjunção, inclusão, implicação) e de separação (diferenciação, oposição, seleção, exclusão). O processo é circular, passando da separação à ligação, da ligação à separação, e, além disso, da análise à síntese, da síntese à análise. Ou seja: o conhecimento comporta, ao mesmo tempo, separação e ligação, análise e síntese (p.24).



            Ao fazer esta colocação o autor considera que nossa civilização e conseguinte, nosso ensino privilegiaram a separação em detrimento da ligação, e a análise em detrimento da síntese.

            Para Morin, como nosso modo de conhecimento desune os objetos entre si, precisamos conceber o que os une. Como ele isola os objetos de seu contexto natural e do conjunto do qual fazem parte, é uma necessidade cognitiva inserir um conhecimento particular em seu contexto e situá-lo em seu conjunto. É a partir dessa aptidão para contextualizar e globalizar que o saber torna-se um imperativo da educação (p.24).  O autor considera também que a revolução científica do século XX, mas precisamente a partir dos anos 60 gerou desdobramentos que levaram a ligar, contextualizar e globalizar os saberes, antes fragmentados e compartimentados nas disciplinas (p.26). Essa mudança de pensamento permite ao aluno de hoje pensar de maneira mais abrangente e completa, a entender-se como parte de um sistema complexo, um sistema planetário. Estes sistemas são constituídos a partir de interações, retroações, inter-retroações entre unidades que se organizam por si próprios.

            No capítulo 3 desta obra, Edgar Morin afirma que o estudo da condição humana não depende apenas do ponto de vista das ciências humanas. Não depende apenas da reflexão filosófica e das descrições literárias. Depende também das ciências naturais renovadas e reunidas, que são: a Cosmologia, as ciências da Terra e a Ecologia (p.35). O autor afirma que trazemos dentro de nós, o mundo físico, o mundo químico, o mundo vivo, e, ao mesmo tempo, deles estamos separados por nosso pensamento, nossa consciência, nossa cultura. Assim, Cosmologia, ciências da Terra, Biologia, Ecologia permitem situar a dupla condição humana: natural e metanatural. Conhecer o humano não é separá-lo do Universo, mas situá-lo nele. Assim, todo conhecimento, para ser pertinente, deve contextualizar seu objeto. “Quem somos nós?” é inseparável de “Onde estamos, de onde viemos, para onde vamos?” (p.37). Mohin destaca ainda que estamos, a um só tempo, dentro e fora da natureza. Somos seres, simultaneamente, cósmicos, físicos, biológicos, culturais, cerebrais, espirituais (p.38). A terra em que vivemos não é a soma do planeta físico, de uma biosfera e da humanidade, ela é a totalidade complexa físico-biológica-antropológica. A humanidade é, pois, uma entidade planetária e biosférica. O ser humano, ao mesmo tempo natural e supranatural, deve ser pesquisado na natureza viva e física, mas emerge e distingue-se dela pela cultura, pensamento e consciência. Tudo isso nos coloca, segundo Morin, diante do caráter duplo e complexo do que é humano: a humanidade não se reduz absolutamente à animalidade, mas, sem animalidade, não há humanidade. O ser humano nos é revelado em sua complexidade: ser, ao mesmo tempo, totalmente biológico e totalmente cultural (p.40). No subtópico intitulado – A contribuição das ciências humanas, o autor afirma que paradoxalmente, são as ciências humanas que, no momento atual, oferecem a mais fraca contribuição ao estudo da condição humana, precisamente porque estão desligadas, fragmentadas e compartimentadas. Essa situação esconde inteiramente a relação indivíduo/ espécie/ sociedade, e esconde o próprio ser humano (p.41). Por outro lado percebe-se uma ênfase isolada do autor em demonstrar a contribuição da cultura das humanidades para o estudo da condição humana. Neste sentido, destaca-se a linguagem, a poesia, a literatura, as artes, a História, a Filosofia, entre outras (p.43-45). Ao se posicionar a despeito da ausência de uma ciência do homem que coordene e ligue as ciências do homem (ou antes, a despeito da ignorância dos trabalhos realizados neste sentido8), Mohin destaca que o ensino pode tentar, eficientemente, promover a convergência das ciências naturais, das ciências humanas, da cultura das humanidades e da Filosofia para a condição humana (p.46).

            No capítulo 4 – Aprender a viver, Edgar Morin nos apresenta o pensamento do filósofo Émile Durkheim "o objetivo da educação não é o de transmitir conhecimentos sempre mais numerosos ao aluno, mas o de criar nele um estado interior e profundo, uma espécie de polaridade de espírito que o oriente em um sentido definido, não apenas durante a infância, mas por toda a vida” (p.47). É justamente neste sentido reformador de pensamento, que o autor mostra que o ensinar a viver necessita não só dos conhecimentos, mas também da transformação, em seu próprio ser mental, do conhecimento adquirido em sapiência, e da incorporação dessa sapiência para toda a vida (p.47). O autor considera que na educação, trata-se de transformar as informações em conhecimento, de transformar o conhecimento em sapiência (p.47). Neste sentido, a cultura das humanidades, deverá ser para todos, uma preparação para a vida (p.48). Por fim, valendo-se da expressão proposta por Rimbaud, Morin defende uma filosofia de vida: o aprendizado da vida deve dar consciência de que a “verdadeira vida” não está nas necessidades utilitária-, mas na plenitude de si e na qualidade poética da existência, posto que, o viver exige de cada um, lucidez e compreensão ao mesmo tempo, e, mais amplamente, a mobilização de todas as aptidões humanas (p.54).

            No capítulo 5, intitulado “Enfrentar a incerteza”, uma continuação do captítulo anterior - Aprender a viver, Edgar Morin destaca logo de início que a maior contribuição de conhecimento do século XX foi o conhecimento dos limites do conhecimento. E que a maior certeza que nos foi dada é a da indestrutibilidade das incertezas, não somente na ação, mas também no conhecimento (p.55). Posto isso, o autor defende que uma das maiores consequências desses dois aparentes defeitos é a de nos pôr em condição de enfrentar as incertezas e, mais globalmente, o destino incerto de cada indivíduo e de toda humanidade (p.55-56). Na sequência Mohin traz os diversos ensinamentos das diversas ciências e disciplinas para ensinar a enfrentar a incerteza. Começando pela incerteza física e biológica o autor destaca que a primeira revolução científica de nosso século foi iniciada pela termodinâmica de Boltzmann, deflagrada pela descoberta dos quanta, seguida pela desintegração do Universo de Laplace. O cosmo se organizou a se desintegrar (p.56). No tocante à incerteza biológica, o autor destaca que o aparecimento da vida, parece não obedecer a nenhuma necessidade inevitável. Assim, continua sendo um mistério sobre o qual não deixam de ser elaborados roteiros (p.57). Aparece ainda para o autor que a incerteza humana é marcada por duas grandes incertezas: a incerteza cognitiva e a incerteza histórica. Neste sentido Morin destaca que existem três princípios de incerteza no conhecimento. O primeiro é o cerebral, segundo o qual, o conhecimento nunca é um reflexo do real, mas sempre tradução e construção, isto é, comporta risco de erro; O segundo é físico: o conhecimento dos fatos é sempre tributário da interpretação; e por fim o terceiro, que é epistemológico: decorre da crise dos fundamentos da certeza, em filosofia (a partir de Nietzsche), depois em ciência (a partir de Bachelard e Popper) (p.59). Quanto à incerteza histórica o autor afirma que já estamos na aventura desconhecida. Para ele, o curso seguido pela história da era planetária desgarrou-se da órbita do tempo reiterativo das civilizações tradicionais, para entrar, não na via garantida do Progresso, mas em uma incerteza insondável (p.60). Logo, é necessário prepararmo-nos para o nosso mundo incerto e aguardar o inesperado. Neste sentido, Mohin destaca: É preciso esforçar-se para pensar bem, é exercitar um pensamento aplicado constantemente na luta contra falsear e mentir para si mesmo, o que nos leva, uma vez mais, ao problema da “cabeça bem-feita”. É também estar consciente da ecologia da ação (p.61). Nesta preparação para o incerto, Mohin destaca o segundo viático: a estratégia.



A estratégia opõe-se ao programa, ainda que possa comportar elementos programados. O programa é a determinação a priori de uma seqüência de ações tendo em vista um objetivo. O programa é eficaz, em condições externas estáveis, que possam ser determinadas com segurança. Mas as menores perturbações nessas condições desregulam a execução do programa e o obrigam a parar. A estratégia, como o programa, é estabelecida tendo em vista um objetivo; vai determinar os desenvolvimentos da ação e escolher um deles em função do que ela conhece sobre um ambiente incerto. A estratégia procura incessantemente reunir as informações colhidas e os acasos encontrados durante o percurso (p.62).



            Para o autor, todo o nosso ensino tende para o programa, ao passo que a vida exige estratégia e, se possível, serendipididade e arte. É justamente uma reversão de conceito que deveria ser efetuada a fim de preparar para os tempos de incerteza (p.62).

            Como terceiro viático destacado por Mohin, tem-se o desafio. Uma estratégia traz em si a consciência da incerteza que vai enfrentar e, por isso mesmo, encerra uma aposta (p.62). Por fim, o autor encerra o capítulo trazendo uma reflexão que cada um deve estar plenamente consciente de que sua própria vida é uma aventura, mesmo quando se imagina encerrado em uma segurança burocrática; todo destino humano implica uma incerteza irredutível, até na absoluta certeza, que é a da morte, pois ignoramos a data. Cada um deve estar plenamente consciente de participar da aventura da humanidade, que se lançou no desconhecido em velocidade, de agora em diante, acelerada (p.63).

            No capítulo 6, “a aprendizagem cidadã” autor destaca que a educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar cidadão. Neste sentido o autor afirma ainda que um cidadão é definido, em uma democracia, por sua solidariedade e responsabilidade em relação a sua pátria (p.65).  Na sequência, Mohin apresenta que uma das maiores dificuldades em pensar o Estado-Nação reside em seu caráter complexo, pois ele é ao mesmo territorial, político, cultural, místico, religioso (p.66). Segundo Morin, existe uma correlação entre o desenvolvimento de nossa consciência de humanidade e a consciência de nossa pátria terrena. A pátria terrena comporta a salvaguarda das diversas pátrias, que podem, muito bem, enraizar-se em uma concepção mais profunda e mais vasta de “a pátria”, desde que sejam abertas; e a condição necessária a essa abertura é a consciência de pertencer à Terra-Pátria (p.72). Desta forma, o autor nos leva a pensar que devemos contribuir para a autoformação do cidadão e dando-lhe consciência do que significa uma nação. Mas precisamos também estender a noção de cidadania, a identidade nacional, a identidade continental e a identidade planetária. Por fim, o autor relata que somos verdadeiramente cidadãos, quando nos sentimos solidários e responsáveis (p.74).

            No capítulo 7, intitulado “os três graus”, Edgar Morin descreve sucintamente o ensino primário, o ensino secundário e por fim o ensino universitário. No tocante ao ensino primário, o autor destaca a importância de se fazer interrogações primeiras, em vez de destruir as curiosidades naturais. Neste sentido, a finalidade de a “cabeça bem-feita” seria para o autor beneficiada por um programa interrogativo que partisse do ser humano. Assim posto, é através dessas interrogações do ser humano, que se descobre sua dupla natureza: a biológica e a cultural (p.75). Partindo desse ponto, é que o ser humano teria ampliado seus domínios para o aspecto físico e químico da organização biológica. Por fim, depois de sua situação no cosmo, o homem seria inserido na dimensão psicológica, social, histórica da realidade humana. De sorte o autor destaca que, desde o princípio, no ensino primário, as ciências e as disciplinas deveriam estar reunidas, ramificadas umas às outras, e deste modo, o ensino poderia ser o veículo entre os conhecimentos parciais e um conhecimento global (planetário e contextualizado) (p.75). Na escola primária, dar-se-ia início a um percurso que ligaria a indagação sobre a condição humana à indagação sobre o mundo. Para o autor, à medida que as matérias são distinguidas e ganham autonomia, é preciso aprender a conhecer, ou seja, a separar e unir, analisar e sintetizar, ao mesmo tempo. Somente a partir deste ponto, seria possível aprender a considerar as coisas e causas. Neste ponto, o autor afirma que as coisas não são apenas coisas, mas também sistemas que constituem uma unidade, a qual engloba diferentes partes. São portanto entidades inseparavelmente ligadas a seu meio ambiente, e que só podem ser realmente compreendidas quando inseridas em seu contexto. No tocante à causa, o autor destaca que é preciso aprender a ultrapassar a causalidade linear causa – efeito. É preciso, pois, compreender a causalidade mútua inter-relacionada a causalidade circular (retroativa, recursiva) e as incertezas da causalidade. Desta forma, formar-se-á uma consciência capaz de enfrentar complexidades (p.76-77). Por fim, o autor destaca que a aprendizagem da vida se dá por duas vias, a interna e a externa. A primeira passa pelo exame de si, a auto-análise e a auto-crítica. A segunda seria a introdução do conhecimento pelas mídias (p.77). No tocante ao ensino secundário, o autor afirma que este seria o momento da aprendizagem do que deve ser a verdadeira cultura – a que estabelece o diálogo entre cultura das humanidades e cultura científica –, não apenas levando a uma reflexão sobre as conquistas e o futuro das ciências, mas também considerando a escola e a experiência de vida. Os programas deveriam ser substituídos por guias de orientação que permitissem aos professores situar as disciplinas em seus novos contextos: o Universo, a Terra, a vida, o humano (p.78). Trata-se, portanto, segundo pensamento de Mohin de promover o conhecimento e o reconhecimento de dois universos. Com relação ao ensino universitário, o autor destaca que a Universidade, tendo como função transecular, do passado ao futuro, conservou uma missão transnacional. Para o autor, o caráter conservador da Universidade pode ser vital ou estéril. O primeiro significa salvaguarda e preservação de um passado para um futuro, enquanto que o segundo – a conservação é estéril quando é dogmática, cristalizada, rígida. Após o Renascimento, a Universidade tornou-se, de fato, um espaço de problematização, de abertura às culturas (p.81). A Reforma da Universidade criou departamentos, fez com que coexistissem, embora não se comuniquem as duas culturas: a das humanidades e a cultura científica (p.81-82). Daí a dupla função da Universidade: adaptar-se à modernidade científica e integrá-la; responder às necessidades fundamentais de formação, mas também, e sobretudo, fornecer um ensino metaprofissional, metatécnico, isto é, uma cultura. O autor aborda também que a Universidade deve, ao mesmo tempo, adaptar-se às necessidades da sociedade contemporânea e realizar sua missão transecular de conservação, transmissão e enriquecimento de um patrimônio cultural, sem o que não passaríamos de máquinas de produção e consumo (p.82). Por fim, Mohin, traz à tona o seu pensamento reformista: a reforma de pensamento exige a reforma da Universidade. Essa reforma incluiria uma reorganização geral para a instauração de faculdades, departamentos ou institutos destinados às ciências que já realizaram uma união multidisciplinar em torno de um núcleo organizador sistêmico, complexo e transdisciplinar (p.83-85).

            No capítulo 8, “a reforma do pensamento” Edgar Mohin retoma o segundo e o terceiro princípios do Discurso sobre o Método que regem a consciência científica. O segundo princípio é tido como princípio da separação; e o terceiro como princípio da redução (p.87). A redução do conhecimento do todo ao conhecimento adicional de seus elementos. Neste sentido, o autor cita a frase de Pascal “o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo, como o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes. Por isso, em várias frentes do conhecimento, nasce uma concepção sistêmica, onde o todo não é redutível às partes (p.88). Neste sentido, é preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que distingue e une. É preciso substituir um pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo, no sentido originário do termo complexus: o que é tecido junto (p.89). De fato, a reforma do pensamento para Mohin, não partiria de zero. Tem seus antecedentes na cultura das humanidades, na literatura e na filosofia, e é preparada nas ciências. O autor destaca duas revoluções científicas do século preparam a reforma do pensamento. A primeira, começando pela Física Quântica e a segunda leva em consideração os conjuntos organizados, ou sistemas em detrimento do dogma reducionista da ciência do século XIX (p.89). A exigida reforma do pensamento vai gerar um pensamento do contexto e do complexo. Vai gerar um pensamento que liga e enfrenta a incerteza. O pensamento que une substituirá a causalidade linear e unidirecional por uma causalidade em círculo e multirreferencial; corrigirá a rigidez da lógica clássica pelo diálogo capaz de conceber noções ao mesmo tempo complementares e antagonistas, e completará o conhecimento da integração das partes em um todo, pelo reconhecimento da integração do todo no interior das partes (p.92-93). Por fim, o autor indica que indica que um modo de pensar, capaz de unir e solidarizar conhecimentos separados, é capaz de se desdobrar em uma ética da união e da solidariedade entre humanos. Um pensamento capaz de não se fechar o local e no particular, mas de conceber os conjuntos, estaria apto a favorecer o senso da responsabilidade e o da cidadania. A reforma de pensamento teria, pois, conseqüências existenciais, éticas e cívicas.

            No capítulo 9 “Para além das contradições” Mohin nos apresenta os problemas da educação na conteporaneidade. Esses problemas, segundo o autor tendem a ser reduzidos a termos quantitativos: “mais créditos”, “mais ensinamentos”, “menos rigidez”, “menos matérias programadas”... É preciso sim, haver uma flexibilização, organização, mas como cita o ilustre autor, essas modificações sozinhas não passam de reformazinhas que camuflam ainda mais a necessidade de reforma de pensamento (p.99).

            Em seguida, Mohin reforça a tese que vem sendo discutida neste livro: não se pode reformar a instituição sem uma prévia reforma das mentes, mas não se podem reformar as mentes sem uma prévia reforma das instituições (p.99). Há, no entanto, para o autor, resistências inacreditáveis a essa reforma. A cada tentativa de reforma, a resistência aumenta. Como as mentes, em sua maioria, são formadas segundo o modelo da especialização fechada, a possibilidade de um conhecimento para além de uma especialização parece-lhes insensata. No tocante ao bloqueio levantado pela necessidade de reformar as mentes para reformar as instituições é acrescido de um bloqueio que diz respeito à relação entre sociedade e escola. É preciso saber começar. Como sempre, a iniciativa só pode partir de uma minoria, a princípio incompreendida, às vezes perseguida. Depois, a ideia é disseminada e, quando se difunde, torna-se uma força atuante (p.100-101).

            No tópico – a missão, o Mohin traz a questão colocada por Karl Marx, em uma de suas teses sobre Feuerbach: “Quem educará os educadores?” Será uma minoria de educadores, animados pela fé na necessidade de reformar o pensamento e de regenerar o ensino. São os educadores que já têm, no íntimo, o sentido de sua missão. Para o autor, a transmissão exige, evidentemente, competência, mas também requer, além de uma técnica, uma arte. Exige algo que não é mencionado em nenhum manual, mas que Platão já havia acusado como condição indispensável a todo ensino: o eros, que é, a um só tempo, desejo, prazer e amor; desejo e prazer (p.101).

            O autor destaca ainda que as cinco finalidades educativas: a cabeça-bem-feita (que nos dá aptidão para organizar o conhecimento), o ensino da condição humana, a aprendizagem do viver, a aprendizagem da incerteza e a educação cidadã, discutidas nos capítulos anteriores estão ligadas entre si e devem alimentar umas às outras. A reforma do pensamento, deve portanto, ser uma necessidade democrática fundamental: formar cidadãos capazes de enfrentar os problemas de sua época é frear o enfraquecimento democrático que suscita, em todas as áreas (p.103).

            Posto isso, Mohin defende que o desenvolvimento de uma democracia cognitiva só é possível com uma reorganização do saber; e esta pede uma reforma do pensamento que permita não apenas isolar para conhecer, mas também ligar o que está isolado. È preciso, pois, pensar a complexidade de maneira planetária. Isso seria uma reforma vital para os cidadãos do novo milênio, visto que permitiria o pleno uso de suas aptidões mentais e constituiria não, certamente, a única condição, mas uma condição sine qua non para sairmos de nossa barbárie (p.104).

            No anexo 1 do livro “a cabeça bem-feita”, Edgar Mohin, nos apresenta a disciplina como categoria organizadora do conhecimento científico, sendo construída na História das sociedades e institucionalizada nos campos dos saberes. Inserida em um conjunto mais amplo, uma disciplina tende naturalmente à autonomia pela delimitação das fronteiras, da linguagem em que ela se constitui, das técnicas que é levada a elaborar e a utilizar e, eventualmente, pelas teorias que lhe são próprias (p.105). Contudo, pode-se dizer que a história das ciências não se restringe à da constituição e proliferação das disciplinas, mas abrange, ao mesmo tempo, a das rupturas entre as fronteiras disciplinares, da invasão de um problema de uma disciplina por outra, de circulação de conceitos, de formação de disciplinas híbridas que acabam tornando-se autônomas; enfim, é também a história da formação de complexos, onde diferentes disciplinas vão ser agregadas e aglutinadas (p.107). Neste campo disciplinar, Mohin destaca a importância da transposição de esquemas cognitivos de uma disciplina para a outra. Mohin defende ainda a inter-poli-transdiciplinaridade do objeto de estudo, a partir do momento de sua criação, isto é a partir do momento que um conceito organizador de caráter sistêmico permita articular conhecimentos diversos para além da disciplina (p. 109-111). Segundo o autor é preciso ainda “ecologizar” as disciplinas, a fornecer-lhes contextos, inclusive sociais e culturais. É preciso metadiscipliná-las. (p.115). Ao final do anexo, Edgar Mohin problematiza a questão da disciplina ao nos questionar, de que serviriam todos os saberes parciais senão para formar uma configuração que responda a nossas expectativas, nossos desejos, nossas interrogações cognitivas.

            No anexo II, “A noção de sujeito”, Mohin apresenta o paradoxo que a noção de sujeito traz em si, ao mesmo tempo evidente e misteriosa. O autor apresenta ainda o pensamento do filósofo Descartes: Não posso duvidar que duvido; logo, eu penso. Se penso, logo, eu sou, isto é, eu existo na primeira pessoa como sujeito (p.117). Edgar Mohin propõe inicialmente a definição de sujeito partindo de uma base biológica. Do ponto de vista biológico, o indivíduo é produto de um ciclo de reprodução. Quando colocado em uma sociedade, o indivíduo estabelece relações com outros indivíduos, produzindo, portanto, indivíduos sociais dotados de uma cultura e de autonomia. O autor destaca ainda que para se chegar a noção de sujeito, é preciso atribui-lhe a dimensão cognitiva (também dimensão chamada computacional), dimensão esta, indispensável à vida (p.119). Neste sentido Mohin destaca um ponto fundamental: a natureza da noção do sujeito tem a ver com a natureza singular de sua computação, desconhecida por qualquer computador artificial que possamos fabricar. Essa computação do ser individual é a computação que cada um faz de si mesmo, por si mesmo e para si mesmo. Para autor a primeira definição do sujeito seria o egocentrismo, no sentido literal do termo: posicionar-se no centro de seu mundo. O “Eu” é o ato de ocupação de um espaço que se torna centro do mundo (p.120). Para Mohin, o sujeito oscila entre o tudo e o nada. Eu sou tudo para mim, não serei nada no Universo. O princípio do egocentrismo é o princípio pelo qual eu sou tudo; mas já que todo o meu mundo se desintegrará com a minha morte, justamente por essa mortalidade, eu sou nada.  O indivíduo sujeito recusa a morte que o devora; e, no entanto, é capaz de oferecer sua vida por suas idéias, pela pátria ou pela humanidade. Aí está a complexidade própria da noção de sujeito (p.127). Por fim, Mohin acredita que o reconhecimento do sujeito exige uma reorganização conceptual que rompa com o princípio determinista clássico, tal como ainda é utilizado nas ciências humanas, notadamente, sociológicas. Precisa-se, portanto, de uma reconstrução, das noções de autonomia/dependência. É preciso também associar noções antagônicas, como o princípio de inclusão e exclusão. É preciso conceber o sujeito como aquele que dá unidade e invariância a uma pluralidade de personagens, de caracteres, de potencialidades. Isso, porque, se estamos sob a dominação do paradigma cognitivo, que prevalece no mundo científico, o sujeito é invisível, e sua existência é negada. Enfim, o autor afirma que precisamos de uma concepção complexa do sujeito (p.128).



Considerações finais



            Escrito por um dos maiores intelectuais da atualidade, Edgar Morin, o livro “cabeça bem-feita” apresentou-se, para nós, como uma crítica à fragmentação do conhecimento. Neste sentido, fomos estimulados, ao ler as laudas, a refletir sobre o desenvolvimento do pensamento complexo, a pensar uma reforma do pensamento por meio do ensino transdisciplinar, contextualizado e reorganizado capaz de formar cidadãos planetários, solidários e éticos, aptos a enfrentar os desafios dos tempos atuais. 

            Neste sentido, a obra questionou, valendo-se dentre outras questões, a finalidade da escola, da educação, do ensino, relacionando a capacidade inata do homem de resolver problemas gerais com a urgente necessidade de se integrar as áreas de conhecimento contempladas pela humanidade. Foi mostrado, também, que estas áreas encontram-se compartimentadas, em disciplinas, o que resulta em um amontoado de informações estéreis, sem finalidades humanísticas, a menos que sejam contextualizadas em um todo. É preciso, pois, desenvolver um pensamento sistêmico através da reorganização do pensamento.




terça-feira, 22 de novembro de 2011

COLL, César; MAURI, Teresa; ONRUBIA, Javier. A incorporação das tecnologias da informação e da comunicação na educação: do projeto técnico-pedagógico às práticas de uso COLL, Cesar;MONEREO, Carles. Psicologia da educação virtual: aprender e ensinar com as tecnologias da informação e da comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2010. Cap. 03 (p. 66 - 93) [Resenha] Cap-03

Ivanderson Pereira da Silva





Na parte introdutória deste capítulo, os autores vão revelar que o seu objetivo principal neste capítulo é “analisar o impacto  das TIC na educação formal e escolar a partir de uma revisão de estudos sobre a incorporação destas tecnologias na educação e de seus efeitos sobre as práticas educacionais e os processos de ensino e aprendizagem” (p. 66). Vão afirmar que “a penetração das TIC nas escolas e nas salas de aula ainda é limitada. [...] O que ocorre é que se trata de um potencial que pode ou não vir a ser uma realidade, e pode tornar-se realidade maior ou menor medida, em função do contexto no qual as TIC serão, de fato, utilizadas. São portanto, os contextos de uso que acabam determinando seu maior ou menor impacto nas práticas educacionais e sua maior ou menor capacidade para transformar o ensino e melhorar a aprendizagem” (p. 66 e 67).

No tópico intitulado “O impacto das TIC na educação: discursos e expectativas”, os autores afirmam que,

No novo cenário social, econômico, político e cultural da SI – muito facilitado pelas TIC e outros desenvolvimentos tecnológicos que estão ocorrendo desde a segunda metade do século XX –, o conhecimento passou a ser a mercadoria mais valiosa de todas, e a educação e a formação são as vias para produzir e adquirir essa mercadoria. Neste cenário, a educação deixou de ser vista apenas como um instrumento para promover o desenvolvimento. A socialização e a enculturação das pessoas, um instrumento de construção da identidade nacional ou um meio para construir a cidadania. Neste cenário, a educação adquire uma nova dimensão: transforma-se no motor fundamental do desenvolvimento  econômico e social. Tradicionalmente, a educação tem sido considerada uma prioridade das políticas culturais, de bem estar social e de equidade. Junto com as TIC, na SI a educação e a formação passam a ser uma prioridade estratégica para as políticas de desenvolvimento, com tudo o que isso representa. Mas o que interessa sublinhar agora é que a centralidade crescente da educação e da formação na SI tem vindo acompanhada por um protagonismo igualmente crescente das TIC nos processos educacionais e formativos. O objetivo de construir uma economia baseada no conhecimento requer que a aprendizagem seja colocada em destaque, tanto no plano individual quanto no social; neste marco, as TIC, e mais especificamente as novas tecnologias multimídia e a Internet, apresentam-se como instrumentos poderosos para promover a aprendizagem, tanto de um ponto de vista quantitativo como qualitativo. Por outro lado, estas tecnologias tornam possível, por meio da supressão das barreiras espaciais e temporais, que mais pessoas tenham acesso à formação e à educação. Por outro, graças às tecnologias multimídia e à Internet, novos recursos e possibilidades educacionais estão disponíveis. Além disso, a utilização combionada das tecnologias multimídia e da Internet torna possível aprender em praticamente qualquer cenário. [...] As instituições de educação formal, estão sofrendo transformações progressivas como consequência do impacto destes fatores e fenômenos típicos da SI, associados, pelo menos até certo ponto, com as TIC; outras instituições, que não são estritamente educacionais  - como a família, o local de trabalho, museus e centros culturais –, têm sua potencialidade como cenários de educação e formação consideravelmente aumentada; e outros espaços até agora inexistentes –, como por exemplo, os espaços virtuais  de comunicação, on-line ou em rede, que as TIC permitem configurar – emergem como cenários particularmente idôneos para a formação e o aprendizado. Em suma, as TIC estão transformando os cenários educacionais tradicionais e, ao mesmo tempo, promovendo o surgimento de outros novos. (p. 67 e 68)



Ao fazer esta provocação, os autores apontam um deslocamento de olhar investigativo: “por um lado, o interesse se desloca da análise das potencialidades das TIC no ensino e na aprendizagem para o estudo empírico dos usos efetivos que professores e alunos fazem dessas tecnologias no transcurso das atividades de ensino e aprendizagem. Por outro lado, as possíveis melhoras de aprendizagem dos alunos são vinculadas à sua participação e envolvimento nessas atividades, nas quais a utilização das TIC é um aspecto importante, mas apenas um entre os muitos aspectos relevantes envolvidos” (p. 70).  Neste sentido, o problema real não são as potencialidades das TIC, mas sim o que se faz efetivamente com elas.

O tópico intitulado “Sobre os usos das TIC nas escolas e nas salas de aula”, está organizado em dois subtópicos. Na parte introdutória, os aurores vão destacar que há “enormes diferenças entre os países no que se refere à incorporação das TIC na educação e à conexão das escolas à internet. Assim, enquanto em alguns países a maioria, ou mesmo a totalidade, das escolas contam com equipamentos de alto nível e dispõem de conexão à internet de banda larga, em outros continuam existindo carências enormes em ambos os aspectos. Tais diferentes, por outro lado, não existem apenas entre países ou entre regiões como frequentemente são detectadas também dentro de uma única região ou até do mesmo país” (p. 70 e 71).

Numa análise dos estudos nacionais (espanhois) e internacionais acerca das TIC na sala de aula, os autores concluem que: “todos os estudos [...] coincidem em destacar dois fatos que; com maior ou menor intensidade, conforme o caso, aparecem com frequência. O primeiro fato guarda relação com o uso limitado que professores e alunos normalmente fazem das TIC. E o segundo, com a limitada capacidade que parecem ter essas tecnologias para impulsionar e promover processos de inovação e melhora das práticas educacionais.” (p. 71). Ambas as conclusões, são questionadas pelos autores, segundo a citação anterior.

O primeiro subtópico deste tópico, intitulado “Das expectativas às realidades: os resultados da pesquisa” enfoca a análise de estudos internacionais sobre o impacto das TIC nos processos de ensinar e aprender dentro das escolas e conclui o seguinte: “os resultados obtidos indicam eu enquanto as TIC, em geral,  e os computadores e a internet, em particular, são utilizados frequentemente por uns e por outro sno lar, eles praticamente não são usados nas escolas. Ou ainda pior, os usos que são dados às TIC na sala de aula são, com frequência, “periféricos” aos processos de ensino e aprendizagem (por exemplo para digitar textos)” (p. 72).

Após fazerem esta constatação, os autores vão analisar um relatório de pesquisa sobre o uso das TIC nas escolas espanholas e vão concluir o seguinte:

·         Investir mais em Tecnologia na Escola: “É necessário melhorar muito no que se refere ao número de salas de aula com computadores com conexão à internet e ao número de computadores nas salas de aula ordinárias” (p. 73).

·         Melhorar a qualidade das práticas escolares com uso das TIC: “as atividades, de ensino e aprendizagem desenvolvidas na maioria das aulas ordinárias do ensino fundamental e do ensino médio na Espanha não incorporam as TIC” [...] “os usos mais frequentes [...] estão relacionados principalmente com a busca e processamento da informação” (p. 73).

·         Aproximar o discurso das práticas: “há uma defasagem considerável entre a atitude positiva e elevada valorização que o professorado expressa e tem das TIC e o uso limitado que dá a elas em sua prática docente” (p. 73).

·         Minimizar a distância entre o que sabem os professores e o que sabem os alunos sobre TIC: “há uma defasagem clara entre o nível de comodidade que sentem os alunos e o que sente o professorado frente às TIC” (p. 73).

·         Valorizar o saber do aluno sobre as TIC: “chama atenção a defasagem existente entre os conhecimentos e as capacidades relacionadas com as TIC que os alunos dizem ter e o escasso aproveitamento que é feito destas nas escolas e nas salas de aula” (p. 74).

No subtópico intitulado “Chaves para a compreensão da defasagem entre expectativas e realidades”, os autores vão defender que: “os professores tendem a dar às TIC usos que são coerentes com seus pensamentos pedagógicos e com sua visão dos processos de ensino e aprendizagem. Assim, com uma visão mais transmissiva ou tradicional do ensino e da aprendizagem, tendem a utilizar as TIC para reforçar suas estratégias de apresentações e transmissão de conteúdos, enquanto aqueles que têm uma visão mais ativa ou “construtivista” tendem a utilizá-las para promover as atividades de exploração ou indagação dos alunos, o trabalho autônomo e o trabalho colaborativo” (p. 75).

Vão neste subtópico reforçar a tese que vem sido defendida desde a apresentação do livro na página 11:

A incorporação das TIC na educação não transforma nem melhora automaticamente os processos educacionais, mas, em compensação, realmente modifica substancialmente o contexto no qual estes processos ocorrem e as relações entre seus atores e entre esses atores e as tarefas e conteúdos de aprendizagem, abrindo, assim, o caminho para uma eventual transformação profunda desses processos, que ocorrerá, ou não, e que representará, ou não, uma melhora efetiva, sempre em função dos usos concretos que se dê à tecnologia. (p. 11)



A simples incorporação ou uso em si das TIC não geram, inexoravelmente, processos de inovação e melhoria do ensino e da aprendizagem; na verdade, são determinados usos específicos  das TIC que parecem ter a capacidade de desencadear esses processos. (p. 75)



O tópico intitulado “O potencial das TIC para o ensino e para a aprendizagem” está organizado em três subtópicos. No primeiro subtópico intitulado “As TIC como instrumentos para pensar e interpensar” os autores vão defender que “todas as TIC, digitais ou não, somente passam a ser instrumentos psicológicos, no sentido vygotyskyano, quando seu potencial semiótico é utilizado para planejar e regular a atividade e os processos psicológicos próprios e alheios” (p. 76). No glossário deste capítulo, os autores vão definir instrumentos psicológico como sendo:

Um conceito que tem origem nos trabalhos de L.S. Vygotsky sobre a importância da mediação semiótica do desenvolvimento dos processos psicológicos superiores e na aprendizagem humana. De acordo com a definição proporcionada por Kozuloin (2000, p. 15), “os instrumentos psicológicos são os recursos simbólicos – signos, símbolos, textos, fórmulas, meios gráfico-simbólicos – que ajudam o indivíduo a dominar suas próprias funções psicológicas ‘naturais’ de percepção, memória, atenção, etc. Os instrumentos psicológicos atuam como uma ponte entre os atos individuais de cognição e os requisitos simbólicos socioculturais desses atos”. A linguagem é, para Vygotsky, o instrumento psicológico por excelência. As TIC, devido às suas características semióticas, podem ser vistas como instrumentos psicológicos no sentido vygotskyano, ou seja, como recursos que as pessoas podem utilizar para “dominar” seus processos psicológicos (p. 92).



E novamente, os autores vão eleger as práticas como as TIC como sendo as responsáveis pela efetiva transformação. “a capacidade mediadora das TIC como instrumentos psicológicos é uma potencialidade que, como tal, torna-se ou não efetiva – e pode tornar-se efetiva em maior ou menor medida – nas práticas educacionais que transcorrem nas salas de aula em função dos usos que os participantes fazem delas” (p. 76 e 77).

Os autores no subtópico intitulado “Ferramentas tecnológicas e práticas educacionais: do projeto ao uso” vão destacar três níveis diferentes de indagação e análise para responder por que os professores dão determinado uso, e não outro, para as TIC.

·         Projeto tecnológico: “em primeiro lugar, os usos que os participantes efetivamente façam das TIC dependerão, em grande medida, da natureza e das características do equipamento e dos recursos tecnológicos que forem postos a sua disposição” (p. 77)

·         Projeto pedagógico ou instrucional: refere-se ao que se propõem as ferramentas tecnológicas. “o projeto técnico-pedagógico é apenas um referencial para o desenvolvimento do processo formativo, e como tal está inevitavelmente sujeito às interpretações que os participantes fazem dele” (p. 78).

·         Análise das formas de organização da atividade conjunta desenvolvida pelos participantes e dos usos efetivos das TIC: “a organização da atividade conjunta é, em si, o resultado de um processo de negociação e de construção por parte dos participantes, de maneira que tanto as formas de organização que vão se sucedendo ao longo do processo formativo quanto os usos dados às ferramentas tecnológicas não podem ser entendidos como uma simples transposição ou um mero desenvolvimento do projeto técnico-pedagógico previamente estabelecido. [...] é justamente nesta recriação e redefinição que o potencial das ferramentas tecnológicas como instrumentos psicológicos torna-se efetivo ou não, mediante sua contribuição para o estabelecimento de determinadas formas de organização da atividade conjunta e incidindo em maior ou menor medida, por meio destas, nos processos intra e intermentais envolvidos no ensino e na aprendizagem” (p. 78).



Em síntese, “os usos efetivos que professores e alunos fazem das TIC dependem tanto do projeto técnico-pedagógico das atividades de ensino e aprendizagem em que estão envolvidos quanto da recriação e redefinição  que eles fazem dos procedimentos e normas de uso das ferramentas incluídas nesse projeto” (p. 78)

O subtópico intitulado “Rumo a uma tipologização dos usos das TIC na educação formal” os autores vão apresentar tipologizações das TIC já disponíveis e avão afirmar que essas até o momento, não tem levado em conta o uso dessas, mas sim as suas características ou técnicas ou potencialidades pedagógicas. Vão propor uma tipologização de usos que contempla cinco categorias de usos e que é representada pelo “triangulo interativo”.

·         As TIC como instrumentos mediadores das relações entre alunos e conteúdos (e tarefas) de aprendizagem;

·         As TIC como instrumentos mediadores das relações entre professores e conteúdos (e tarefas) de ensino e aprendizagem;

·         As TIC como instrumentos mediadores das relações entre professores e alunos ou dos alunos entre si;

·         As TIC como instrumentos mediadores da atividade conjunta desenvolvida por professores e alunos durante a realização das tarefas ou atividades de ensino e aprendizagem;

·         As TIC como instrumentos configuradores de ambientes ou espaços de trabalho e de aprendizagem.



A respeito desta tipologização os autores vão ponderar que a mesma ainda não está finalizada e que “as fronteiras entre algumas categorias são mais difusas do que se pode parecer à simples vista e resulta as vezes difícil estabelecer com precisão a qual categoria pertence um uso concreto de uma ferramenta de TIC (p. 85)[...] frequentemente essas relações não são estáveis, mas evoluem e se modificam em um ou outro sentido conforme o professor e os estudantes desenvolvem as atividades  de ensino e aprendizagem; portanto, é lógico supor que os usos das TIC, em seu caráter de instrumentos que medeiam essas relações, podem experimentar, também, uma evolução” (p. 86).

Advertem ainda que “nenhuma das cinco categorias de usos pode ser considerada a priori e em termos absolutos mais inovadora, mais transformadora ou “melhor” do que as outras” (p. 86) e que “o potencial das TIC para influenciar os processos inter e intrapsicológicos envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem será tanto mais elevado quanto maior for sua incidência na maneira como professores e alunos organizam a atividade conjunta em torno dos conteúdos e tarefas de aprendizagem” (p. 86).

Para finalizar esse subtópico, os autores vão apontar lacunas (a partir do levantamento teórico-bibliográfico realizado) nos estudos sobre os usos das TIC e com isso apresentar campos férteis para a pesquisa na área:

A maioria dos usos identificados e descritos correspondem às duas primeiras categorias da nossa classificação (usos das TIC como instrumentos  mediadores das relações entre os alunos – e entre os professores – e os conteúdos e tarefas de aprendizagem). Os usos que poderiam corresponder às outras três categorias são pouco frequentes e em alguns estudos nem sequer foi possível documenta-los. A isso é preciso acrescentar, por outro lado, a coincidência da maioria dos estudos em destacar o escasso efeito transformador das práticas educacionais que a incorporação das TIC provocou até agora. Estes fatos reforçam, segundo nosso entendimento, a hipótese que vincula o potencial transformador das TIC com seu uso enquanto instrumentos mediadores das relações entre os três elementos do triângulo interativo e, mais concretamente, como instrumentos mediadores da atividade conjunta que professores e alunos desenvolvem em torno dos conteúdos e tarefas de aprendizagem. (p. 86 e 87).



O último tópico do capítulo enfoca “A incorporação das TIC na educação: desafios”. Os autores vão nesta último tópico os autores vão defender a incorporação das “TIC na educação escolar coma  finalidade de tornar mais eficientes e produtivos os processos de ensino e aprendizagem, aproveitando os recursos e possibilidades que tais tecnologias oferecem” (p. 87); que “as TIC em geral, e a internet em particular, ainda são pouco utilizadas – pouquíssimo, na maioria das salas de aula – e que, quando utilizadas, tanto pelos professores quanto pelos alunos, com frequência é para fazer o que já se fazia antes sem elas” (p. 87).

Acreditam que a solução deste problema pode se dar “conforme forem cobertas as carências de equipamentos e infraestrutura – que, conforme já assinalamos, continuam sendo muito significantes em muitos países – e aumentem os recursos de formação e apoio, tanto o professorado quanto os alunos passarão a incorporar progressivamente as TIC nas atividades de ensino e aprendizagem na sala de aula” (p. 88).

Vão defender que “o que se persegue com a sua incorporação na educação escolar é aproveitar o potencial dessas tecnologias para promover novas formas de aprender e ensinar. Não se trata, assim, de utilizar as TIC para fazer a mesma coisa, porém melhor, com maior rapidez e comodidade ou mesmo com mais eficácia, mas para fazer coisas diferentes, para pôr em marcha processos de aprendizagem e de ensino que não seriam possíveis se as TIC fossem ausentes” (p. 88). [...] “Enquanto não se proceder a essa revisão profunda do currículo escolar, vamos talvez continuar avançando na incorporação das TIC na educação, no sentido de melhorar o conhecimento e domínio que os alunos possuem dessas tecnologias, e até a utilização eficaz destas  por parte do professorado e dos alunos para desenvolver sua atividade como docentes e aprendizes respectivamente; muito mais difícil, contudo, será avançar no aproveitamento efetivo das novas possibilidades de ensino e aprendizagem que nos oferecem, potencialmente, as TIC”. (p. 89)

Ao final do capítulo, os autores apresentam as referências, um glossário contendoa definição do seguintes conceitos: ferramentas da mente (mindtools); instrumentos psicológicos; e projeto técnico-pedagógico ou técnico-instrumental.

LALUEZA, José Luis; SILVA CAMPS, Isabel Crespo. As tecnologias da informação e da LALUEZA, José Luis; SILVA CAMPS, Isabel Crespo. As tecnologias da informação e da comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2010. (p. 47 - 65) [Resenha] Cap- 02

Ivanderson Pereira da Silva





Este capítulo está organizado em quatro tópicos e enfoca o impacto das TIC no desenvolvimento humano com foco cultural.  O primeiro enfoca o acoplamento entre o meio e o sujeito e a forma como esta relação determina a constituição do sujeito. Mais especificamente como o homem produz a tecnologia e esta por sua vez, produz ao homem. “Visto a partir de uma perspectiva construtivista que entende o desenvolvimento como a transformação por meio do processo de troca entre organismo e ambiente físico e social, as tecnologias desempenham um papel essencial na definição dos processos evolutivos” (p. 47). “Toda atividade humana é mediada pelo uso de ferramentas de maneira que, [...] o desenvolvimento é, em grande medida, a apropriação das ferramentas (materiais e simbólicas) do nicho cultural em que a criança opera” (p. 47).

O projeto evolutivo de uma criança que pertença a uma sociedade de caçadores-coletores é radicalmente diferente daquele de outra nascida em uma sociedade de agricultores-pecuaristas ou sociedade industrial. Caçar, ou seja, utilizar os instrumentos de caça, requer habilidades motrizes, perceptivas e cognitivas muito diferentes daquelas que são necessárias para trabalhar a terra ou para dominar uma variedade de instrumentos próprios de uma sociedade complexa como a industrial. Além disso, as tecnologias próprias de cada momento histórico contribuem para promover metas cognitivas, relações sociais, práticas cotidianas e expectativas de comportamento  diferentes. As relações familiares, as formas legitimadas de poder, as relações de gênero e a forma de divisão do trabalho diferem à medida que estejam inseridas em contextos de atividades diferentes e sejam mediadas por ferramentas também diferentes. Não se trata, então, apenas das diferenças entre as habilidades necessárias para usar, por exemplo, o arco e as flechas e aquelas requeridas para utilizar o arado. As práticas sociais nas quais estão envolvidos os membros de uma sociedade de agricultores, tais como a acumulação de recursos, a conservação de excedentes, o comércio, a conservação de excedentes, o comércio, a construção de moradias, a divisão do trabalho, com o aparecimento de castas e de ofícios, a gestão de impostos, etc., supõem um conjunto de tecnologias inexistentes nas sociedades de caçadores, cujo uso transformaria radicalmente a vida dos seus indivíduos, assim como os ideais de homem e mulher que guiam a educação das suas crianças. (p. 48)



Percebe-se que os autores vão defender que o meio, influencia e modifica o sujeito. “Segundo a noção de atividade de Leontiev, no triângulo sujeito-ferramentas-objeto que caracteriza toda atividade, cada um dos vértices se transforma quando qualquer um dos vértices o faz. O indivíduo se constrói em função do objeto da sua atividade e dos artefatos que a medeiam” (p. 49). Extremamente interessante como os autores vão desenvolver a articulação entre os vértices desse triângulo. O sujeito produz as ferramentas e a interação com as mesmas determina novos comportamentos que redefinem o sujeito.

A escrita é, talvez, o exemplo mais claro desta espiral autopoiética. Leitura e escrita transformam as características cognitivas no que se refere ao tratamento da informação, tornando possível os avanços tecnológicos por meio da construção de novas ferramentas, como a imprensa e os meios de comunicação digital. Contudo, essas ferramentas expandiram, ao mesmo tempo, o uso da leitura e da escrita, universalizando-as e mediando o desenvolvimento das pessoas. Ou seja, a tecnologia não é apenas um conjunto de ferramentas, uma vez que deve ser considerada no marco das práticas institucionais em que está escrita e que, ao mesmo tempo, mantém. Prosseguindo com o exemplo da escrita, não devemos estar atentos apenas à forma como sua prática organiza o pensamento dos indivíduos, mas também à sua função social na mediação de múltiplas formas de comunicação e no estabelecimento de instituições relacionadas com a governança, a lei e a economia. E principalmente, devemos estar atentos ao contexto institucional em que tais habilidades são adquiridas: a escola. O impacto do uso da leitura e da escrita tem seu fundamento nas instituições que tornam necessário seu uso e na sua extensão para o conjunto da população; primeiro, com o surgimento de tecnologias como a imprensa e, depois, fundamentalmente, com a universalização da escola. (p. 49)



Autopoiese, no sentido exatamente do sujeito produzir a si mesmo.  O homem gera produtos que redefinem o homem, e que gera um novo homem. Esse novo homem gera novos produtos que gerarão um novo homem. O reflexo disso é que o homem modifica o meio e o meio modifica o homem.

O tópico seguinte, intitulado “O impacto dos computadores no desenvolvimento” está organizado em três subtópicos. Na parte introdutória, os autores vão apresentar exemplos de como a experiência com diferentes ferramentas, determina diferentes estratégias de resolução de situações problema. Vão defender que:

·         As TIC ampliam nossas habilidades do mesmo modo que os óculos, um microscópio ou um telescópio ampliam nossa visão;

·         Usar uma determinada ferramenta não só permite que melhoremos nossas habilidades quando a utilizamos como deixa um “rastro”, ou seja, uma vez que nos apropriamos de seu uso, nossas capacidades melhoram;

·         A ferramenta transformou nossa forma de entender a tarefa e, inclusive, gerou novas metas. (p. 50)

Trocando em miúdos,



uma tecnologia aparece em um contexto histórico como amplificadora das habilidades humanas (efeitos “com”). No caso das ferramentas que amplificam capacidades cognitivas, como a escrita, ocorre também um efeito de melhora dessas capacidades (efeitos “de”). Finalmente, mediante o uso da nova tecnologia , a longo prazo, há uma reorganização do próprio sistema cognitivo, da maneira pela qual se pensa nessa cultura. [...] A tecnologia contribui para orientar o desenvolvimento humano, pois opera na zona de desenvolvimento proximal de cada indivíduo por meio da internalização das habilidades cognitivas requeridas pelos sistemas de ferramentas correspondentes a cada momento histórico. [...] mesma tarefa é realizada mediante processos mentais diferentes, adquiridos por meio de práticas mediadas por ferramentas próprias de cada cultura e momento histórico (p. 50-51).



Justificado que as ferramentas produzidas culturalmente, são apropriadas por culturas diferentes de diferentes formas, determinando desta forma, novas práticas, novas habilidade cognitivas, novas estratégias e consequentemente, novas competências, os autores concluem esta fala introdutória afirmando que “mudanças nas ferramentas culturais supõem mudanças nas formas de inteligência valorizadas pela sociedade e, portanto, na orientação do desenvolvimento cognitivo, social e emocional dos indivíduos” (p. 51).

No subtópico intitulado “Videogames e novas metas do desenvolvimento cognitivo” os autores vão afirmar que

concretamente, os videogames exigem uma atenção visual dividida, ou processamento visual paralelo. Assim, em muitos videogames é necessário ao mesmo tempo, controlar o movimento de um personagem no centro do campo de visão e prestar atenção a objetos periféricos (“fontes de energia”, “pistas”, “bônus”, “armadilhas”, etc.) que podem estar em movimento ou aparecer e desaparecer em pontos da tela diferentes daquele em que transcorre a ação principal. Ao longo de duas décadas, foram realizadas algumas pesquisas que mostram a existência de melhores habilidades desse tipo em indivíduos que jogam videogame e, também, que tais habilidades se consolidam de maneira cumulativa. [...] Diversas pesquisas já mostraram que a prática de videogames melhora as habilidades que permitem resolver tarefas escolares relacionadas com a orientação espacial, como a rotação ou a integração de diversas imagens em uma única representação tridimensional. [...] A prática dos videogames está relacionada com determinadas formas de processamento cognitivo. Processamento de grandes volumes de informação em tempo reduzido, atenção em paralelo, deslocamento de funções do texto para a imagem, ruptura da linearidade no acesso a informação, busca de retroalimentação imediata para corrigir ou modificar a ação. Tudo isso supõe algumas mudanças no que se refere ao tipo de inteligência promovida e valorizada pela escola. [...] Uma vez que o uso do computador e dos consoles de jogos se alastra socialmente, ele se transforma em uma prática de socialização habitual na nossa sociedade, e a prática precoce das tecnologias propiciada pela generalização dos videogames no âmbito doméstico acaba produzindo um forte impacto nas habilidades cognitivas que definem a inteligência em uma cultura particular, assim como um desenvolvimento mais precoce dessas habilidades  (p. 52-54).



O subtópico intitulado “Processos evolutivos e a aprendizagem na apropriação das TIC” enfoca duas perspectivas de apropriação das TIC: a microgenética e a sociogenética. Para isto, vai tomar por base os videogames. E vai afirmar que “diferentemente de outros importantes artefatos culturais, como a escrita, não parece que as TIC são adquiridas majoritariamente na escola, mas basicamente no âmbito doméstico, e em geral o desenvolvimento das habilidades correspondentes está ligado mais nitidamente aos contextos informais, como o grupo de iguais” (p. 54). Os autores a partir deste momento, vão provocar uma reflexão que parece colocar a motivação com que os sujeitos se apropriam das TIC (e com especial destaque os videogames) em oposição a desmotivação para com a escola:

voltando aos videogames, em muitos estudos o seu potencial motivador é apresentado como elemento central. [...] vários aspectos que explicam esse potencial motivador: Caráter lúdico; Incorporação de níveis de dificuldade progressivos, que apresentam a tarefa como um desafio; Objetivos claramente colocados; Existência de incentivos intrínsecos à tarefa; Impacto sobre a autoestima conforme os objetivos propostos são alcançados; Individualização ou adaptabilidade ao ritmo pessoal imposto ao jogador; Identificação/projeção de fantasias com os conteúdos simbólicos dos videogames. [...] em resumo, os videogames parecem triunfar ali onde a escola frequentemente encontra dificuldades (p. 54)



Ou seja, os videogames triunfam na motivação, onde exatamente a escola fracassa. Discutindo sobre um determinado estudo, os autores defendem que: “os sujeitos do estudo – em sua maioria adolescentes – valorizavam os efeitos imediatos do uso das TIC: divertir-se, comunicar-se ou obter ajuda em suas tarefas escolares. Eles nunca colocaram o uso das TIC como acumulação de saber, e a apropriação de seu uso ocorre geralmente sem atender a manuais, mas diretamente “deixando rodar” o programa. Ocorre, então, uma interessante convergência entre aprender e usar, na qual novato procura o especialista para solucionar problemas concretos de uso” (p. 54). Neste discurso, os autores parecem sugerir que a escola deveria ensinar sem que os alunos percebessem que estão se apropriando do saber, mas sim, brincando.

Após fazer sua defesa das vantagens dos videogames e desvantagens da escola, os autores vão tentar apresentar os conceitos de apropriação por microgenia e sociogenia. Os autores não explicam bem o que é microgenético nem sociogenético. Mas ao buscar tais conceitos na internet, verifiquei que: sociogenético tem a ver com a origem da conservação da sociedade considerada em seus aspectos claramente humanos, como o estético, o espiritual e o intelectual. E numa passagem o autor diz que processo microgenético  são “as mudanças que ocorrem no momento de realizar uma tarefa ou construir um aprendizado” (p. 55).

No tópico intitulado “As TIC como ferramenta de socialização: violência, gênero e valores culturais”, os autores vão enfocar a “masculinização das tecnologias”. Vão defender que:

Uma das mais antigas abordagens sobre o impacto das TIC é centrada na percepção das ameaças que elas podem representar para o desenvolvimento social e emocional. [...] é evidente que uma parte importante dos videogames têm conteúdo violento, mas isso absolutamente não é uma novidade histórica no que diz respeito a oferta dirigida a crianças, adolescentes e jovens adultos, especialmente os de sexo masculino. Nas revistas em quadrinhos, filmes e espetáculos dirigidos  a esse setor da população, sempre estiveram presentes – e de maneira predominante – os conteúdos violentos. [...] a questão socialmente mais debatida consiste em se os videogames têm um impacto específico  na população que os usa, gerando, por exemplo, mais condutas violentas. Diversos estudos negam isso, como também negam outros efeitos comportamentais, o que não é de surpreender, uma vez que os videogames são narrativas que fazem parte da rede de significados da cultura e, por isso, não são autônomos na geração de valores. Pelo contrário, suas narrativas cobram significado em relação àquelas geradas pelo restante das práticas sociais das quais participam os indivíduos. (p. 55 e 56)



Após desmentir as afirmativas que apontam os videogames como agentes contribuintes da violência da sociedade, os autores vão apontar estes jogos como sendo machistas, por estarem direcionados ao público jovem de meninos, e também sexistas pelo fato de quando destinados a meninas, as colocarem em situações, de festa, compras ou cuidando do lar.  Para esses autores, “as tecnologias presentes em uma cultura, contribuem na definição daquilo que nessa cultura se considera inteligência [...] O uso das TIC apresenta-se, assim, em sintonia com os valores das culturas ocidentais modernas, fortemente individualistas, que orientam a educação mais para transformação do mundo físico do que para tratar do mundo social. [...] A relação entre tecnologia e práticas culturais é evidente, mas é a prática social, e não a ferramenta em si, o que define a atividade [...] Elas não são autônomas, uma vez que cobram sentido através do seu uso em contextos concretos de atividade” (p. 57 e 58).

O tópico intitulado “As TIC e os novos marcos de socialização” está organizado em dois subtópicos. Na parte introdutória deste tópico, os autores vão defender que “nas sociedades tradicionais, e mesmo nas cidades modernas da era industrial, as relações sociais estavam circunscritas basicamente ao espaço e ao tempo imediato. A maioria dessas relações eram pessoais e aconteciam no seio de pequenas comunidades: a família, a vizinhança, o povoado onde se residia. A socialização, a entrada em um âmbito cultural, a apropriação dos significados da própria cultura, ocorria a partir da relação entre esses sistemas. Em contraposição a isso, a proliferação atual das TIC está configurando novas estruturas sociais e formas de organização nas quais os limites espaço-temporais tradicionais são colocados em xeque. Gergen (2002) situa essas mudanças no núcleo do que passou a ser chamado pós-modernidade e que tem como resultado um novo tipo de identidade. Tanto nas sociedades tradicionais pré-modernas quanto na modernidade, o mundo e as relações que nele se estabeleciam eram mais estáveis e, portanto, mais previsíveis. Assim, a variabilidade nos processos de socialização em um contexto determinado era mínima. Mas as TIC permitiram aumentar continuamente a quantidade e variedade das relações que estabelecemos, a frequência potencial dos nossos contatos humanos, a intensidade expressada nessas relações e sua saturação. Portanto, criaram-se novas formas de relação que trouxeram consigo novos marcos de socialização. [...] As relações entre os sujeitos e objetos através de ferramentas não acontecem mediante ações solitárias, mas em um contexto de relações comunitárias, em que as mudanças nas normas ou nas formas de divisão do trabalho transformam radicalmente a atividade e, portanto, o sujeito” (p. 58 e 59). Justificando assim o estudo de comunidades virtuais.

No subtópico intitulado “Redefinição dos limites da comunidade e cibercultura” os autores vão enfocar a ampliação das comunidades físicas para o espaço virtual criando assim uma cibercultura. Defendem que:

Considerar a internet como um local onde é gerada uma cultura – o ciberespaço – tem sua primeira formulação teórica em Rheingold (1993), que destacou que as comunicações mediadas por computador (CMC) eram capazes de prover formas de interação muito ricas e de proporcionar o espaço idôneo para a formação de comunidades. Definiu a expressão “comunidade virtual” da seguinte maneira: “as comunidades virtuais são congregações sociais que emergem da internet quando suficientes pessoas se mantêm em uma discussão pública, durante tempo suficiente, com sentimento humano suficiente para estabelecer redes de relações pessoais no ciberespaço” (Rheingold, 1993, p. 5) [...] As comunidades virtuais devem ser entendidas como tais porque compartilham as mesmas características: geram sociabilidade e redes de relações humanas. O que as diferencia das comunidades físicas é que são comunidades pessoais, ou seja, compostas por pessoas com base em interesses individuais e afinidades pessoais. São, portanto, redes mais nitidamente utilitárias do que as comunidades físicas. Estudos posteriores (lipman, citado por Castells, 2002) destacam a maior sustentabilidade das comunidades  que estão mais ligadas a tarefas ou a perseguir interesses comuns conjuntos. Em qualquer caso, as comunidades contribuem para configurar parte de uma rede social. Diferentemente do que as antiutopias mais catastróficas prognosticavam o uso da internet não para estar associado ao isolamento. Pelo contrário, quanto mais rede social física se tem, mais se utiliza a internet; e quanto mais se utiliza a internet, mais se reforça a rede física que se possui (Welman, 2004). Conforme crianças e adolescentes vão tendo acesso ao uso da internet, suas possibilidades de participação em novos âmbitos comunitários e seu acesso a novas fontes de significado aumentam. Isso rompe os limites da comunidade física, ampliando o número de microssistemas e tornando mais complexa a relação entre estes. Aos desafios da relação entre família, a escola e o grupo de amigos – os microssistemas “clássicos” -, soma-se agora o das relações com um número ilimitado de sistemas virtuais, cada um deles gerador da sua própria microcultura. (p. 59 e 60)



No subtópico intitulado “Novas formas de narrativa e de comunicação”, os autores vão apresentar como as TIC redefiniram a linearidade da leitura e da escrita bem como a temporalidade das narrativas e a amplitudes dos escritos na internet. Vão novamente enfatizar que “o          que explica as transformações cognitivas não é a aquisição da ferramenta em si, mas o conjunto das práticas em que seu uso se introduz, ou seja, o marco institucional no qual é adquirida e utilizada. Da mesma maneira acreditamos, o impacto cognitivo das TIC reside nas práticas dentro das quais elas são utilizadas, no seu papel de mediação das atividades realizadas por meio dessas práticas” (p. 60)

Ao se posicionar de maneira afirmativa, os autores vão apresentar as novas formas de escrita e leitura.

navegar na internet envolve leitura e a utilização de aplicativos como correio eletrônico, fóruns, chats ou blogs supõe escrever. Mas é importante salientar que tanto a leitura quanto a escrita são praticadas na internet de maneira muito diferente da tradicional. A leitura não é necessariamente linear e é o próprio leitor que escolhe o “fio da meada” que seguirá, a partir de diferentes opções, de modo que uma parte considerável do esforço estará relacionado à seleção daquilo que será lido e do que será descartado. [...] Diferentemente da narrativa convencional, na qual os eventos podem se diferenciar segundo o momento em que ocorreram e aparecem uns após os outros, a internet se caracteriza, entre outras coisas, pelo aparecimento de múltiplos padrões complexos de temporalidade. [...] Por exemplo, apesar da apresentação da informação em um blog ser linear no sentido temporal, ou seja, cada um dos posts é apresentado em ordem cronológica, isso não significa que sua leitura esteja limitada pela temporalidade, uma vez que a hipertextualidade da rede nos permite romper essa estrutura, ir e voltar no tempo. (p. 60 e 61)



Por fim, os autores vão apresentar o impacto do que se escreve nas interfaces da internet.

Publicar de maneira instantânea, a partir de quase qualquer idade, um texto que pode chegar a ser lido por milhares de desconhecidos, e isso sem ter que passar por uma editora; manter uma conversa com alguém que não se viu nunca e que nem se está vendo no momento; trocar textos diariamente com pessoas que vivem em outro continente são coisas que dão uma nova dimensão à escrita. Em suma, estamos diante de novas ferramentas desenvolvidas a partir de uma velha ferramenta, a escrita. A apropriação dessas ferramentas por meio de determinadas  práticas sociais põe em jogo elementos que supõem o desenvolvimento de algumas habilidades diferentes das requeridas na leitura e na escrita clássicas, ao mesmo tempo que constituem, em si, novos marcos de socialização e vinculação às redes sociais. (p. 61)



Para concluir o capítulo, os autores vão trazer o tópico “Linhas emergentes para o estudo das TIC nos processos de desenvolvimento e socialização” que tem por objetivo apresentar três linhas de estudo sobre “os novos âmbitos de socialização ligados às TIC que, pelo menos neste momento, parecem ser importantes” (p. 62):

·         Possibilidade da virtualidade levada ao extremo: a exemplo disso, os autores destacam o Second Life. “encontramo-nos aqui com algo como uma nova recorporização, com formas de construção de identidades que utilizam não apenas a narrativa e o texto como também a imagem e representações icônicas nas quais o corpo se satura de conteúdos simbólicos” (p. 62) Neste tópico os autores apresentam a possibilidade dos sujeitos simularem situações do cotidiano, antes de experiênciá-las, tais como casamento, a paternidade etc.

·         As questões relacionadas a brecha digital: “Apesar do fato de existir um contingente cada vez maior de população integrado ao uso das TIC, a questão radica no contexto de atividade em que esse acesso existe”;

·         As possibilidades que as TIC abrem para formas de expressão e criação desde idades precoces.



Este parece ter sido o capítulo que mais lacunas deixou. Acredito que os autores deveriam ter explorado mais e melhor conceitos como microcognitivo, sociocognitivo, antiutopias, prognósticos, filogenético, ontogenético, e moratória psicossocial. Além dos conceitos que não ficam claros ao longo do estudo, os autores pecam no que concerne aos termos usados no glossário. Ao final do artigo, é disponibilizado um glossário contendo três conceitos: contexto de atividade, narrativas digitais e tecnogênese. O último termo, “tecnogênese” não aparece em nenhum momento do texto. Este, na minha concepção, foi o artigo do livro, que mais gerou dúvidas.